sexta-feira, 29 de julho de 2016

Professora Ana Regina Noto



"Doutorado em Ciências da Saúde. Professora do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Coordenadora do NEPSIS (Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias)".
VM – O que leva os jovens e adolescentes a usar drogas?
ARN – A relação é complexa uma vez que existem diferentes drogas, padrões, vulnerabilidades e contextos de uso. Os primeiros episódios de uso podem ocorrem por curiosidade na medida em que situações de oportunidades acontecem no dia a dia do adolescente. O consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, é muito mais acessível e tende a ocorrer com maior probabilidade. Porém, o uso pode avançar e se tornar problemáticos a partir de um conjunto de vulnerabilidades biológicas, psicológicas e sociais. Ou seja, questões básicas como as condições e desenvolvimento do adolescente, traços de personalidade, relações familiares, carga genética, aspectos sociodemográficos, contexto social e cultural, desempenho acadêmico, planejamento de vida, religiosidade, crenças, valores, entre inúmeros outros fatores que atuam em interação. Assim, o uso problemático pode ser interpretado muito além de um problema em si, mas especialmente como um indicador de aspectos da vida do adolescente que merecem atenção e cuidado.

VM – Qual a diferença entre Uso, Abuso e Dependência de drogas?
ARN – É muito importante diferenciar esses padrões, pois cada um requer olhar diferenciado sobre a forma de lidar com a questão. O uso é referente ao comportamento de consumo da droga em si, que pode ou não vir acompanhado de consequências.

O abuso já é um padrão de uso caracterizado pela presença de problemas sociais ou de saúde. A dependência é um estado decorrente do uso crônico, a partir do qual o usuário vai perdendo a autonomia e habilidade de tomar decisões conscientes sobre usar ou não determinada droga.
Passa a usar a substância por impulso, com reduzida capacidade de reflexão e controle. Esse impulso é descrito pelos usuários como “incontrolável”. A dependência é a situação que requer tratamento especializado.

VM – Quais as substâncias mais consumidas entre os jovens e quais fatores favorecem seu uso?
ARN – As bebidas alcoólicas são as substâncias mais usadas entre os adolescentes e jovens. Não são apenas as mais consumidas, mas acompanham uma série de riscos como acidentes, comportamento sexual sem proteção, violência, entre outros. O tabaco é a segunda substância mais consumida, seguida por inalantes, maconha e vários medicamentos psicotrópicos. As porcentagens de uso variam muito de acordo com a faixa etária. Entre adolescentes do ensino médio, por exemplo, cerca de 30% relata ter se embriagado no mês anterior.

VM – Há medicamentos psicotrópicos que também são reconhecidos e utilizados como drogas. Quais são as classes mais consumidas e qual a finalidade de seu uso entre os jovens?
ARN – Muitos estudantes, especialmente as meninas, referem ter consumido benzodiazepínicos sem prescrição médica. São medicamentos usados para redução da ansiedade ou para induzir o sono. Outra classe citada é a das anfetaminas, usadas para emagrecimento ou para manter o alerta, por exemplo, para manter a vigília, seja para uma noite de estudo ou para balada. Esses medicamentos são raramente reconhecidos e, portanto, geralmente negligenciados em programas preventivos.

VM – Há diferenças entre o consumo de drogas entre os jovens de níveis socioeconômicos e culturais distintos?
ARN – Os levantamentos epidemiológicos mostram poucas diferenças entre, por exemplo, estudantes de escolas públicas e particulares.
Porém, existem diferenças em alguns subgrupos. Jovens em festas eletrônicas, geralmente usam drogas sintéticas com finalidade de diversão pontual.
A população de rua, em contrapartida, tende a apresentar um padrão mais crônico de uso de outras drogas e, para esse subgrupo, o consumo de drogas é um sintoma que denuncia sérias questões de direitos humanos e desigualdades sociais. Ainda existem pessoas que fazem uso de substâncias em contexto ritual religioso, norteado por um conjunto de valores e regras de uso.  Cada contexto de uso tem suas peculiaridades e deve ser interpretado dentro dessas especificidades.

VM – Atualmente discute-se a respeito da Política de Redução de Danos. O que seria esta política e qual o seu impacto para os jovens usuários de drogas?
ARN – A Política de Redução de Danos é uma abordagem que contrapõe a fracassada Política de Proibicionismo centrado na Droga. A redução de danos é centrada no cuidado com o indivíduo, buscando minimizar os danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias. Parte do princípio de que o uso de drogas é milenar e que não existe na história da humanidade qualquer sociedade “livre” de drogas.

Trata-se de uma abordagem mais contextualizada, na medida em que respeita direitos humanos e considera a diversidade.
Um exemplo de Redução de Danos do álcool entre jovens são ações em baladas que facilitam acesso a transporte no sentido de evitar que uma pessoa embriaga dirija, ou seja, tem o foco na redução dos acidentes assumindo que o consumo de álcool ocorre e é aceito pela sociedade.
VM – No Brasil, quais as opções de tratamento para os usuários de drogas?
ARN – Existem inúmeras opções de tratamento no Brasil, mas o acesso não é igualmente distribuído no país. As maiores cidades contam com CAPS-AD (Centros de Atenção Psicossocial especializado em álcool e outras drogas) que são serviços públicos ambulatoriais com equipe multidisciplinar para atender demandas de cuidados médicos, psicológicos e sociais. Para casos mais graves, o sistema público disponibiliza internação. Vale lembrar que a internação é considerada exceção, pois o ideal é que o paciente aprenda lidar com situações de risco do dia a dia, sendo esperado que atravesse esse período de aprendizado com episódios de recaídas. Ainda vale o destaque para a ampla disponibilidade de grupos de ajuda mútua, como os Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Os resultados desses grupos são similares aos de tratamentos muito sofisticados, com a vantagem de estarem presentes em cidades pequenas e distantes dos grandes centros. Dentro dessa grande gama de opções, o mais importante é saber que tratamentos caros e sofisticados não apresentam efetividade maior do que os ofertados pelo sistema público. A diferença está em contextualizar o tratamento às demandas da pessoa, tendo em mente três eixos: médico, psicológico e social.

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