"Doutorado em Ciências da Saúde. Professora do Departamento de Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo. Coordenadora do NEPSIS (Núcleo de Pesquisa em Saúde e Uso de Substâncias)".
VM – O que leva os jovens e adolescentes a usar drogas?
ARN – A relação é complexa uma vez que existem diferentes drogas, padrões, vulnerabilidades e contextos de uso. Os primeiros episódios de uso podem ocorrem por curiosidade na medida em que situações de oportunidades acontecem no dia a dia do adolescente. O consumo de bebidas alcoólicas, por exemplo, é muito mais acessível e tende a ocorrer com maior probabilidade. Porém, o uso pode avançar e se tornar problemáticos a partir de um conjunto de vulnerabilidades biológicas, psicológicas e sociais. Ou seja, questões básicas como as condições e desenvolvimento do adolescente, traços de personalidade, relações familiares, carga genética, aspectos sociodemográficos, contexto social e cultural, desempenho acadêmico, planejamento de vida, religiosidade, crenças, valores, entre inúmeros outros fatores que atuam em interação. Assim, o uso problemático pode ser interpretado muito além de um problema em si, mas especialmente como um indicador de aspectos da vida do adolescente que merecem atenção e cuidado.
VM – Qual a diferença entre Uso, Abuso e Dependência de drogas?
ARN – É muito importante diferenciar esses padrões, pois cada um requer olhar diferenciado sobre a forma de lidar com a questão. O uso é referente ao comportamento de consumo da droga em si, que pode ou não vir acompanhado de consequências.
O abuso já é um padrão de uso caracterizado pela presença de problemas sociais ou de saúde. A dependência é um estado decorrente do uso crônico, a partir do qual o usuário vai perdendo a autonomia e habilidade de tomar decisões conscientes sobre usar ou não determinada droga.
Passa a usar a substância por impulso, com reduzida capacidade de reflexão e controle. Esse impulso é descrito pelos usuários como “incontrolável”. A dependência é a situação que requer tratamento especializado.
VM – Quais as substâncias mais consumidas entre os jovens e quais fatores favorecem seu uso?
ARN – As bebidas alcoólicas são as substâncias mais usadas entre os adolescentes e jovens. Não são apenas as mais consumidas, mas acompanham uma série de riscos como acidentes, comportamento sexual sem proteção, violência, entre outros. O tabaco é a segunda substância mais consumida, seguida por inalantes, maconha e vários medicamentos psicotrópicos. As porcentagens de uso variam muito de acordo com a faixa etária. Entre adolescentes do ensino médio, por exemplo, cerca de 30% relata ter se embriagado no mês anterior.
VM – Há medicamentos psicotrópicos que também são reconhecidos e utilizados como drogas. Quais são as classes mais consumidas e qual a finalidade de seu uso entre os jovens?
ARN – Muitos estudantes, especialmente as meninas, referem ter consumido benzodiazepínicos sem prescrição médica. São medicamentos usados para redução da ansiedade ou para induzir o sono. Outra classe citada é a das anfetaminas, usadas para emagrecimento ou para manter o alerta, por exemplo, para manter a vigília, seja para uma noite de estudo ou para balada. Esses medicamentos são raramente reconhecidos e, portanto, geralmente negligenciados em programas preventivos.
VM – Há diferenças entre o consumo de drogas entre os jovens de níveis socioeconômicos e culturais distintos?
ARN – Os levantamentos epidemiológicos mostram poucas diferenças entre, por exemplo, estudantes de escolas públicas e particulares.
Porém, existem diferenças em alguns subgrupos. Jovens em festas eletrônicas, geralmente usam drogas sintéticas com finalidade de diversão pontual.
A população de rua, em contrapartida, tende a apresentar um padrão mais crônico de uso de outras drogas e, para esse subgrupo, o consumo de drogas é um sintoma que denuncia sérias questões de direitos humanos e desigualdades sociais. Ainda existem pessoas que fazem uso de substâncias em contexto ritual religioso, norteado por um conjunto de valores e regras de uso. Cada contexto de uso tem suas peculiaridades e deve ser interpretado dentro dessas especificidades.
VM – Atualmente discute-se a respeito da Política de Redução de Danos. O que seria esta política e qual o seu impacto para os jovens usuários de drogas?
ARN – A Política de Redução de Danos é uma abordagem que contrapõe a fracassada Política de Proibicionismo centrado na Droga. A redução de danos é centrada no cuidado com o indivíduo, buscando minimizar os danos sociais e à saúde associados ao uso de substâncias. Parte do princípio de que o uso de drogas é milenar e que não existe na história da humanidade qualquer sociedade “livre” de drogas.
Trata-se de uma abordagem mais contextualizada, na medida em que respeita direitos humanos e considera a diversidade.
Um exemplo de Redução de Danos do álcool entre jovens são ações em baladas que facilitam acesso a transporte no sentido de evitar que uma pessoa embriaga dirija, ou seja, tem o foco na redução dos acidentes assumindo que o consumo de álcool ocorre e é aceito pela sociedade.
VM – No Brasil, quais as opções de tratamento para os usuários de drogas?
ARN – Existem inúmeras opções de tratamento no Brasil, mas o acesso não é igualmente distribuído no país. As maiores cidades contam com CAPS-AD (Centros de Atenção Psicossocial especializado em álcool e outras drogas) que são serviços públicos ambulatoriais com equipe multidisciplinar para atender demandas de cuidados médicos, psicológicos e sociais. Para casos mais graves, o sistema público disponibiliza internação. Vale lembrar que a internação é considerada exceção, pois o ideal é que o paciente aprenda lidar com situações de risco do dia a dia, sendo esperado que atravesse esse período de aprendizado com episódios de recaídas. Ainda vale o destaque para a ampla disponibilidade de grupos de ajuda mútua, como os Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Os resultados desses grupos são similares aos de tratamentos muito sofisticados, com a vantagem de estarem presentes em cidades pequenas e distantes dos grandes centros. Dentro dessa grande gama de opções, o mais importante é saber que tratamentos caros e sofisticados não apresentam efetividade maior do que os ofertados pelo sistema público. A diferença está em contextualizar o tratamento às demandas da pessoa, tendo em mente três eixos: médico, psicológico e social.
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